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CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS NO GÊNERO PROPAGANDA: EM FOCO A CULINÁRIA E O FOLCLORE NORDESTINOS



Maria Regina BARACUHY Leite (DLCV/UFPB)
Este trabalho é, na verdade, fruto de um projeto de pesquisa nosso que se intitula: DISCURSO, HISTÓRIA E SENTIDO: CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS EM DIVERSOS GÊNEROS DISCURSIVOS, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Lingüística (PROLING), no campus 1 da UFPB. A partir deste projeto, estamos discutindo como a mídia nordestina e em particular, a paraibana, está construindo identidades através dos diversos gêneros discursivos que circulam em nossa sociedade materializados em textos. O aporte teórico que utilizamos para fundamentar a análise dos textos é o da Análise do Discurso Francesa (doravante AD), fundada por Michel Pêcheux no final da década de sessenta na França. Para justificar por que escolhemos trabalhar com a questão da identidade, partimos de alguns questionamentos como: O que significa “ser paraibano”? Como a mídia local discursiviza isso? Quais os efeitos de sentido que essas construções identitárias produzem? Quais as relações de poder que se estabelecem no embate entre a manutenção e a transformação, redefinição de identidades no contexto paraibano? Percebemos que a questão da identidade continua sendo amplamente discutida na atualidade, uma vez que não há mais uma identidade fixa, coesa, em torno da qual possamos nos reconhecer enquanto indivíduos sociais, até porque o cenário contemporâneo, midiático e globalizado, torna as mudanças cada vez mais rápidas e constantes. Com o progresso e a expansão das tecnologias de comunicação, diferentes regiões do mundo são postas em interconexão e práticas sociais são constantemente reformadas, re-examinadas à luz das informações recebidas. Em decorrência disso, na modernidade, as identidades, outrora fixas, estáveis, unificadas, são móveis, cambiantes, estão “em processo de construção”. É com esse conceito de identidade enquanto construção discursiva que nós estamos trabalhando em nosso projeto. O problema com o qual nos deparamos e que nos intriga e, ao mesmo tempo, nos motiva a estudar este assunto é o seguinte: sendo a identidade uma construção fragmentária e cambiante, construída nos vários discursos sociais, como é que estão sendo produzidos os processos de identidade nordestina nos vários gêneros discursivos que circulam em nossa sociedade? Stuart Hall (2001: 13) concebe a identidade como um processo cultural, construída nos discursos sociais que circulam em uma dada sociedade. Ele argumenta que a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar — ao menos temporariamente. Não se pode falar sobre identidade sem falar em alteridade, porque é pela diferença que se constrói a identidade. Desse modo, o conceito de identidade implica “estar em relação a”, porque não há “nós” sem o “outro”. Ou seja, o que nos identifica não é somente o que pensamos que somos, mas o que pensamos que são os outros e como essa alteridade se representa simbolicamente. Por exemplo, no gênero propaganda turística, em relação às comidas típicas do Nordeste, quase todos os textos de propaganda turística exibem como atrativo, os frutos do mar, com ênfase na lagosta. Então, esse poderia ser um dos elementos que do ponto de vista da culinária, nos identificaria enquanto nordestinos, já em relação à bebida, a cachaça nordestina também aparece em destaque, assim como a água de côco, como vemos nos textos de propaganda turística propaganda oficial dos estados de Aracaju e do Ceará.






Toda essa culinária regional que a propaganda exibe, corrobora, está em sintonia com a representação (ideológica) que os textos de propaganda turística sobre o Nordeste querem enfatizar: a representação do paraíso tropical, materializado em imagens que mostram praias com coqueirais, pessoas jovens e bonitas e uma culinária exótica para o turista estrangeiro, com base nos frutos do mar, na cachaça e na água de côco. Entretanto, a propaganda turística paraibana também mostra como destaque o abacaxi, pois somos um dos maiores produtores de abacaxi do Nordeste, assim sendo, essa é uma fruta que particulariza a culinária paraibana em relação à nordestina. Como afirma Thomas Tadeu da Silva (2000: 18): “os anúncios só serão eficazes no seu objetivo de nos vender coisas se tiverem apelo para os consumidores e se fornecerem imagens com os quais eles possam se identificar.” Então para sintetizar poderíamos dizer, no gênero propaganda turística, há uma representação homogênea da culinária nordestina em relação à água de côco e aos frutos do mar, que objetiva a fixação e a manutenção desses traços identitários, porém a propaganda turística da Paraíba nos particulariza com a imagem, em destaque, do abacaxi. Desse modo, a identidade é marcada pela diferença, por isso dizer “o que somos” significa também dizer “o que não somos.” (idem: 82)





Para usar as palavras de Thomas Tadeu da Silva (2000:79): “A mesmidade (ou a identidade) porta sempre o traço da outridade (ou da diferença).” Por isso, a identidade é também relacional, ou seja, só existe em relação a outras identidades possíveis. A afirmação de uma identidade e a marcação da diferença implicam sempre em operações de inclusão e exclusão. Segundo Kathryn Woodward, em um artigo chamado “Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual (2000:18): “todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído”. Como já foi dito, os textos de propaganda turística nordestina enfatizam os frutos do mar como atrativo culinário e geralmente excluem das imagens culinárias, as comidas típicas do sertão. Essa exclusão faz com que os turistas, muitas vezes, se frustrem ao chegarem às capitais litorâneas (por exemplo, João Pessoa e Recife), em busca de frutos do mar e encontrem como culinária típica local, a comida sertaneja, como a tapioca, a buchada, o arrumadinho, etc. A nossa identificação local é com a culinária sertaneja, entretanto, o turista se identifica com as imagens dos frutos do mar exaustivamente representados nos textos de propaganda. Embora saibamos que o signo lingüístico é um sinal, sempre há a ilusão referencial, ideológica, de se ver no signo, a presença do referente empírico. Conforme Stuart Hall, em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade (2001): É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em lugares históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas. Outro aspecto que observamos na construção de identidades em gêneros da mídia é que ela é pautada por silenciamentos e estereótipos. O Nordeste, como sabemos, é uma região que apresenta uma enorme diversidade de manifestações culturais, dentre elas, o folclore. No gênero propaganda turística, a ênfase recai na Festa de São João. Na propaganda turística do Maranhão o que se sobressai, em toda a materialidade verbo-visual, é o Boi- Bumbá. O enunciado, em letras maiúsculas, no início do texto, diz o seguinte: “O BRASIL TEM MUITAS FESTAS DE SÃO JOÃO. O MARANHÃO TEM TODAS ELAS.” E encerra com um convite: “Venha sentir de verdade o que é o São João do Brasil.” Na Paraíba, o enfoque maior é dado ao forró e a quadrilha juninas. No interior do estado, a cidade de Campina Grande anuncia-se na mídia, através de uma construção hiperbólica, que possui: “0 Maior São João do Mundo”.

Esta construção simbólica e discursiva marca a identidade do lugar, distinguindo-o em relação a outros lugares onde também acontece a festa junina, como por exemplo, em relação a Caruaru, no estado de Pernambuco e em relação ao São João Maranhense. Esse enunciado, portanto, só tem seu sentido na cadeia de significação formada por essas outras identidades regionais. Além disso, a mídia tende a construir identidades por meio de estereótipos, materializados em imagens e enunciados verbais que incessantemente retornam nos textos publicitários, a fim de fixar, manter, estabilizar essas identidades em detrimento de outras. Dentre as várias manifestações folclóricas existentes no Nordeste, citemos o xaxado, o maracatu, o côco-de-roda, entretanto, na maioria das propagandas turísticas, Pernambuco reivindica para si a identificação com o frevo, a Paraíba se identifica pelo forró e quadrilha juninas e o Maranhão pelo Boi-bumbá, o que ratifica a afirmação de que toda construção identitária é um processo discursivo que se caracteriza por exclusões (que implicam apagamentos, silenciamentos) e relações com a alteridade (que produzem a diferença). As danças exibidas no discurso da propaganda, por conta da ideologia capitalista do lucro com o turismo, exibem sempre uma imagem pasteurizada, com moças e rapazes jovens e bonitos, a fim de atrair o público-alvo. Enfim, trabalhar com identidade é algo bastante motivador, uma vez que há uma relação necessária, constitutiva entre identidade, discurso e memória, assim, através da análise do discurso da mídia, podemos resgatar toda uma tradição cultural, como foi exposto aqui em relação à culinária e às manifestações folclóricas, bem como entender melhor quem somos e por que somos assim e não de outra maneira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 5 ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2001. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 2ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. IN: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 2ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

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