Maria Regina BARACUHY Leite (DLCV/UFPB)
Toda essa culinária regional que a propaganda exibe, corrobora, está em sintonia com a representação (ideológica) que os textos de propaganda turística sobre o Nordeste querem enfatizar: a representação do paraíso tropical, materializado em imagens que mostram praias com coqueirais, pessoas jovens e bonitas e uma culinária exótica para o turista estrangeiro, com base nos frutos do mar, na cachaça e na água de côco. Entretanto, a propaganda turística paraibana também mostra como destaque o abacaxi, pois somos um dos maiores produtores de abacaxi do Nordeste, assim sendo, essa é uma fruta que particulariza a culinária paraibana em relação à nordestina. Como afirma Thomas Tadeu da Silva (2000: 18): “os anúncios só serão eficazes no seu objetivo de nos vender coisas se tiverem apelo para os consumidores e se fornecerem imagens com os quais eles possam se identificar.” Então para sintetizar poderíamos dizer, no gênero propaganda turística, há uma representação homogênea da culinária nordestina em relação à água de côco e aos frutos do mar, que objetiva a fixação e a manutenção desses traços identitários, porém a propaganda turística da Paraíba nos particulariza com a imagem, em destaque, do abacaxi. Desse modo, a identidade é marcada pela diferença, por isso dizer “o que somos” significa também dizer “o que não somos.” (idem: 82)
Para usar as palavras de Thomas Tadeu da Silva (2000:79): “A mesmidade (ou a identidade) porta sempre o traço da outridade (ou da diferença).” Por isso, a identidade é também relacional, ou seja, só existe em relação a outras identidades possíveis. A afirmação de uma identidade e a marcação da diferença implicam sempre em operações de inclusão e exclusão. Segundo Kathryn Woodward, em um artigo chamado “Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual (2000:18): “todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído”. Como já foi dito, os textos de propaganda turística nordestina enfatizam os frutos do mar como atrativo culinário e geralmente excluem das imagens culinárias, as comidas típicas do sertão. Essa exclusão faz com que os turistas, muitas vezes, se frustrem ao chegarem às capitais litorâneas (por exemplo, João Pessoa e Recife), em busca de frutos do mar e encontrem como culinária típica local, a comida sertaneja, como a tapioca, a buchada, o arrumadinho, etc. A nossa identificação local é com a culinária sertaneja, entretanto, o turista se identifica com as imagens dos frutos do mar exaustivamente representados nos textos de propaganda. Embora saibamos que o signo lingüístico é um sinal, sempre há a ilusão referencial, ideológica, de se ver no signo, a presença do referente empírico. Conforme Stuart Hall, em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade (2001): É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em lugares históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas. Outro aspecto que observamos na construção de identidades em gêneros da mídia é que ela é pautada por silenciamentos e estereótipos. O Nordeste, como sabemos, é uma região que apresenta uma enorme diversidade de manifestações culturais, dentre elas, o folclore. No gênero propaganda turística, a ênfase recai na Festa de São João. Na propaganda turística do Maranhão o que se sobressai, em toda a materialidade verbo-visual, é o Boi- Bumbá. O enunciado, em letras maiúsculas, no início do texto, diz o seguinte: “O BRASIL TEM MUITAS FESTAS DE SÃO JOÃO. O MARANHÃO TEM TODAS ELAS.” E encerra com um convite: “Venha sentir de verdade o que é o São João do Brasil.” Na Paraíba, o enfoque maior é dado ao forró e a quadrilha juninas. No interior do estado, a cidade de Campina Grande anuncia-se na mídia, através de uma construção hiperbólica, que possui: “0 Maior São João do Mundo”.
Esta construção simbólica e discursiva marca a identidade do lugar, distinguindo-o em relação a outros lugares onde também acontece a festa junina, como por exemplo, em relação a Caruaru, no estado de Pernambuco e em relação ao São João Maranhense. Esse enunciado, portanto, só tem seu sentido na cadeia de significação formada por essas outras identidades regionais. Além disso, a mídia tende a construir identidades por meio de estereótipos, materializados em imagens e enunciados verbais que incessantemente retornam nos textos publicitários, a fim de fixar, manter, estabilizar essas identidades em detrimento de outras. Dentre as várias manifestações folclóricas existentes no Nordeste, citemos o xaxado, o maracatu, o côco-de-roda, entretanto, na maioria das propagandas turísticas, Pernambuco reivindica para si a identificação com o frevo, a Paraíba se identifica pelo forró e quadrilha juninas e o Maranhão pelo Boi-bumbá, o que ratifica a afirmação de que toda construção identitária é um processo discursivo que se caracteriza por exclusões (que implicam apagamentos, silenciamentos) e relações com a alteridade (que produzem a diferença). As danças exibidas no discurso da propaganda, por conta da ideologia capitalista do lucro com o turismo, exibem sempre uma imagem pasteurizada, com moças e rapazes jovens e bonitos, a fim de atrair o público-alvo. Enfim, trabalhar com identidade é algo bastante motivador, uma vez que há uma relação necessária, constitutiva entre identidade, discurso e memória, assim, através da análise do discurso da mídia, podemos resgatar toda uma tradição cultural, como foi exposto aqui em relação à culinária e às manifestações folclóricas, bem como entender melhor quem somos e por que somos assim e não de outra maneira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 5 ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2001. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 2ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. IN: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 2ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
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