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CULINÁRIA E IDENTIDADE NAS REDES DA PROPAGANDA TURÍSTICA


Edileide de Souza Godoi (PROLING/UFPB)
Maria Regina Baracuhy Leite (PROLING/ UFPB)

INTRODUÇÃO
Este trabalho é um recorte do meu projeto de pesquisa em nível de Mestrado, cujo título é “Memória e Identidade no Discurso da Culinária Paraibana” e está vinculado ao programa de Pós-graduação em Lingüística PROLING/UFPB. O objetivo desta pesquisa é analisar como vêm sendo construídos os processos de identidade do povo paraibano nos textos de propagandas em que circulam o discurso culinário. Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva, entre outros que trabalham com identidade numa perspectiva cultural e discursiva, concebem que para discutir a identidade de um sujeito, é preciso inseri-lo em um contexto sócio-histórico cultural que influencia e organiza a produção do seu discurso sob condições ideológicas marcadas por esse contexto. Em vista disso, nossa hipótese de trabalho é que as identidades são construídas ao longo do tempo no interior de formações e práticas discursivas específicas. Assim, é por meio do discurso midiático, sendo a propaganda turística um de seus gêneros textuais, que pretendemos compreender até que ponto nos representamos enquanto indivíduos inseridos em um lugar determinado num dado momento histórico. A mídia, sendo um instrumento de manipulação social que integra nosso cotidiano “participa ativamente, na sociedade atual, da construção do imaginário social, no interior do qual os indivíduos percebem-se em relação a si mesmos e em relação aos outros”(GREGOLIN, 2003,p. 97) Desenvolvemos nossa pesquisa no intuito de atingir os seguintes objetivos: discutir como o discurso da culinária paraibana, nos textos de propaganda turística, apresenta traços identitários do povo paraibano, a partir de duas formações discursivas distintas: uma que destina especificamente aos turistas nordestinos e uma outra, cujo destinatário é o turista brasileiro (de outras regiões do país, que não a NE) e o internacional. O corpus escolhido para análise é a propaganda encomendada à revista Engenho da Gastronomia pelo governo do estado da Paraíba no ano de 2004. Essa revista é publicada bimestralmente no estado de Pernambuco e circula em todo Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e em cinco cidades de Portugal, sendo distribuída em bancas, hotéis, restaurantes. Através de uma parceria com a Infraero, ela é encontrada em locais de desembarques de vôos cuidadosamente escolhidos. Sendo assim, o público-alvo do citado periódico se compõe tanto de turistas regionais, como nacionais e até mesmo internacionais.
1. DISCURSO E SENTIDO NA ANÁLISE DO DISCURSO
Para o fundador da AD francesa, Michel Pêcheux, a Lingüística Estrutural de base imanentista não dava conta dos processos de construção de sentido do discurso, uma vez que este ultrapassa os limites da Lingüística, pois necessariamente inclui a relação de um sujeito com a sociedade em que ele vive. Como explica a professora Rosário Gregolin (2001, p.12): Assim, partindo de uma relação necessária entre o dizer e as condições desse dizer, a análise do discurso proposta por Pêcheux insere a exterioridade como elemento constitutivo dos sentidos, exigindo, portanto, um deslocamento teórico, de caráter conflituoso, que vai recorrer a conceitos exteriores ao domínio de uma lingüística imanente para dar conta de uma análise de unidades mais complexas da linguagem. Portanto, o discurso se materializa na língua, mas só possui efeito de sentido quando é situado social e historicamente, isso significa que se faz necessário buscar os sentidos numa relação intradiscursiva ( da ordem da língua) com a interdiscursiva ( da ordem da História). (GREGOLIN, 2001). É importante frisar que os sentidos não ocorrem de maneira linear em nossa sociedade, sendo eles históricos não são apreendidos em sua totalidade, em um único texto, visto que se diz a partir de um já dito, isto é, um texto retoma outro que se repete em um outro e assim sucessivamente. O sentido não está no texto, mas na relação que ele mantém com seu produtor, seus leitores e outros textos (intertextualidade), com outros discursos (interdiscursividade). Os sentidos não são únicos, eles são circulantes e dispersos. Foucault (2005, p.28) diz que: E preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimento, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, transformado, apagado até nos menores traços, escondido bem longe de todos os olhares, (...) não é preciso remeter o discurso a longínqua presença da origem: é preciso tratá-lo no jogo de sua instância. Levando em conta que o analista do discurso, em relação à compreensão e interpretação, não pode buscar os sentidos do texto apenas na superfície lingüística, mas compreender como ele funciona, acompanhado o trajeto em que os sentidos são estabelecidos em sua materialidade lingüística histórica, percebemos que os enunciados produz seus efeitos de acordo com as formações discursivas em que são produzidos. De acordo com Michel Foucault (2005) os sentidos do discurso são perceptíveis se compreendermos sempre como uma prática que relaciona a língua com “outras práticas” no campo social. Isso significa dizer que o discurso se materializa na língua, mas só produz efeito de sentido quando situado social e historicamente. Para compreender os efeitos de sentidos do discurso, é preciso “buscá-lo” nas paráfrases, polissemia, nos interdiscursos, nos dizeres que o antecedem, que, por sua vez estão relacionados à memória e à história e têm como efeito, o apagamento da palavra do outro, para que ao se tornar própria de quem está enunciando.Tudo que é dito por um sujeito só é possível devido à existência de dizeres anteriores a ele. Entretanto, vale salientar que há uma relação necessária entre o dizer e as condições de produção desse dizer. Na AD, o discurso é pensado como um “processo de produção de sentido” determinado pelo tecido sócio-histórico que o estabelece. Em vista disso, analisaremos a propaganda turística enfatizando o discurso da culinária paraibana para verificar os saberes discursivos pré-existentes (pelo viés interdiscursivo) que se inscrevem além da materialidade lingüística, pois os sentidos não estão nas palavras, mas aquém e além delas, sendo preciso buscá-lo em suas condições de produção, estabelecendo as relações que eles mantém com a memória. Para Eni Orlandi “as palavras falam com outras palavras. Toda palavra é sempre parte de um discurso. E todo discurso se delineia na relação com outros: dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória”. Enfim, considerando o texto não apenas como um conjunto de palavras frases ou proposições, mas como um lugar onde se articula o lingüístico e o sócio-histórico, a AD francesa procura compreender a produção de sentidos sem ater-se apenas em aspectos estruturais, ultrapassando assim os limites do texto e passando a considerar a exterioridade (aspectos sócio-histórico-ideológicos) relevantes para a construção dos sentidos. Eni Orlandi salienta que: “A exterioridade se inscreve no próprio texto e não como algo lá fora, refletindo nele. Não se parte da história para o texto – avatar da análise de conteúdo -, se parte do texto enquanto materialidade histórica” (1996, p. 55).
2 .IDENTIDADE E ALTERIDADE NA PRODUÇÃO DO DISCURSO CULINÁRIO PARAIBANO
De acordo com Tomaz Tadeu (2000), parece fácil definir identidade: “sou paraibano”, “sou jovem”, “sou negro”, “sou homem”. A identidade, assim vista, parece ser apenas positiva, uma característica autônoma, tendo como referência a si própria, pois quando digo que “sou paraibano” parece que estou fazendo referência a uma identidade que se esgota em si mesma, entretanto só posso fazer essa afirmação porque existem outras pessoas que não são paraibanas. A afirmação “sou paraibano” faz parte de uma cadeia extensa de expressões negativas: “não sou pernambucano”, “não sou cearense”, “não sou baiano”, e assim por diante. Na perspectiva de Marisa Grigolleto em seu artigo Leitura sobre a identidade: contingência negativa e expressão (2006, p. 15). As identidades são construções social e culturalmente situadas, em oposição a uma suposta essência subjetiva que engendraria a identidade de cada individuo. Como conseqüência dessa construção, entende-se que as identidades são formadas na sua construção inescapável e necessária com a alteridade. Assim, compreender a identidade faz-se necessário entendê-la em sua relação com a alteridade, construída pela dicotomia nós/ele, pela marcação de diferença. “A identidade é relacional e para existir depende de algo de fora dela de uma identidade que ela não é, que difere de sua própria identidade, mas que fornece condições para que ela exista” (Kathryn Woodward, 2000, p.9), portanto ser um paraibano é ser um não-baiano, um não-pernambucano, um não- cearense. Para o estudioso Stuart Hall (2000), há duas formas diferentes de se pensar a identidade cultural. A primeira está na busca de recuperar a “verdade” sobre o passado na unicidade de uma história e de uma cultura partilhadas; a segunda é uma questão tanto de “tornar-se” quanto de “ser”, isto é, de reconhecer que ao reivindicar uma identidade, nós a reconstruímos, uma vez que, o passado é ressignificado no presente.Ele concebe ainda que embora a identidade seja construída por meio da diferença, não há rigidez quanto à oposição na dicotomia nós/ele.Por exemplo, tanto o paraibano quanto o recifense são nordestinos, embora o paraibano esteja inserido em práticas sociais diferentes das do pernambucano. Daí HALL assumir uma posição que dá ênfase à fluidez da identidade. Isso significa pensá-la sempre como um processo em construção, sendo moldada conforme as práticas sociais e formações discursivas a que os sujeitos estão submetidos. Em suma, pensar a identidade de um sujeito é pensar esse sujeito em um dado momento sócio-histórico, onde seu discurso é produzido sob condições ideológicas determinadas, ou seja, para que o dizer de um sujeito tenha sentido, é preciso que se inscreva no interior de práticas e formações discursivas específicas, estando elas sujeitas, constantemente, a um processo de mudança e de transformação. Nas palavras de Stuart Hall, em seu artigo Quem precisa de identidade? (2003, p.109) É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em lugares históricos é institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas especificas, por estratégias e iniciativas específicas. Entretanto para trabalhar os enunciados da gastronomia que nos representam enquanto sujeito paraibano, precisamos reconhecer as regularidades desses enunciados que nos insere em um dado momento sócio-histórico dentro de uma formação discursiva específica, que por sua vez, forma um complexo de regras que funda a unidade de um conjunto de enunciados. Para Pêcheux (1995), o sujeito, ao dizer nos processos discursivos, se representa como sujeito inserido em lugares determinados na estrutura de uma formação social. Essa representação é regulada por regras sociais e é por meio dessas regras que o sujeito se identifica com seu lugar, seus costumes, sua cultura. Sendo esta segundo Santos (1994), a expressão da totalidade das características de um povo. E nas manifestações culturais que encontramos muitos dos traços identitários de um povo: na arte, na religião, na dança, na culinária, etc., pois a cultura faz parte da história de uma sociedade, e é justamente através da cultura, que podemos mostrar as particularidades de um grupo social No entanto, nossa análise pretende trabalhar alguns aspectos culturais, não com intuito de fazer um resgate de nossa cultura, mas entender até que ponto nos representamos enquanto sujeitos sociais.. Invocar uma origem que residiria num passado histórico não seria suficiente na construção das identidades, uma vez que, elas não são estáveis, fixas, mas maleáveis e cambiantes, entretanto “as identidades têm a ver com utilização dos recursos da cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos” (HALL, 2000, p.109). Levando em conta que “as identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação (...) ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social” (Kathryn Woodward, 2000, p.39). Logo sendo nosso trabalho voltado para culinária fica estabelecido que a identidade aqui é construída por meio de marcação de diferença simbólica, que por sua vez, é definida, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios, ou seja, “um sistema classificatório aplica um principio de diferença a uma população de uma forma tal que seja capaz de dividi-la em ao menos dois grupos opostos – nós/eles.” (Woodward, 2000, p.40), definindo, por exemplo que é incluído e quem é excluído, em vista disso,, o social e o simbólico, embora refira-se a dois processos distintos, são necessários para a construção e manutenção das identidades, pois é por meio da diferenciação social que as classificações da diferença são vividas socialmente É sob o enfoque da identidade pela alteridade porque não há nós sem o outro, que analisaremos a culinária paraibana “em relação” à culinária de outros estados do país. Entretanto, partindo da dicotomia nós/ eles, vários questionamento poderão ser feitos em relação à culinária, por exemplo: como vou me representar, ou me identificar através de minhas opções culinárias? Como me posiciono em relação à culinária do Outro? O estudioso da gastronomia paraibana, Wills Leal em sua obra Conquistando o turista pela boca (2006), afirma que de fato não há uma cozinha tipicamente paraibana, pernambucana ou alagoana, etc. Há, sim uma cozinha nordestino- paraibana, nordestino-cearense, nordestino-alagoana, etc. Em vista disso, logo surge um questionamento: como vou identificar o “homem” paraibano através de sua culinária se não há uma cozinha tipicamente paraibana? No entanto, Wills Leal (2006) afirma ainda que, embora não exista uma comida tipicamente paraibana, não quer dizer que um grupo social não se identifique com os produtos com os quais consome só porque esse mesmo produto é consumido em outros estados nordestinos, pois os sistemas simbólicos com os quais as pessoas se identificam podem ser mais representativos para uns que para outros. Considerar que alguns produtos sejam símbolos de representação de um grupo não quer dizer que esses produtos não possam ser consumidos ou representar outros grupos diferentes, por exemplo, o abacaxi é nomeado, pelos estudiosos gastronômicos do país, como sendo um produto tipicamente paraibano. “O abacaxi é oficialmente a fruta símbolo da Paraíba” (WILLS, 2006,p.33), entretanto esse produto é consumido em quase todas as regiões do Brasil, embora ele se represente diferentemente em cada uma delas. Para o paraibano, em particular, esse produto é símbolo de identificação, pois faz parte de uma memória discursiva já pré-estabelecida que envolvem fatores sociais e econômicos. Woodward (2000, p.40) diz que: Se quisermos compreender os significados partilhados que caracterizam os diferentes aspectos da vida social, temos que examinar como eles são classificados simbolicamente. Assim o pão que é comido em casa é visto simplesmente como um elemento da vida cotidiana, mas quando especialmente preparado e repartido na mesa da comunhão, torna-se sagrado, podendo simbolizar o corpo de Cristo. Portanto, ao examinar um dado sistema de representação, precisamos analisar essas representações numa relação cultural e simbólica, pois um mesmo símbolo vai ter significados distintos dentro de formações discursivas distintas. De acordo com Woodward (2000, p.17): “É por meio dos significados produzidos pela representação que damos sentido à nossa experiência e aquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tornam possível àquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar”. Os sistemas de representação e os discursos constroem os lugares em que os sujeitos podem se posicionar e falar, ou seja, os sistemas de representação e os discursos vão inserir um sujeito em uma formação e uma prática discursiva específicas. Já em relação ao discurso do Outro, ele é pensado como algo de fora, exterior, embora crucial na construção da identidade, por exemplo, “ser paraibano” só tem significado se pensado numa rede de expressões negativas que vai dizer que não sou carioca nem mineiro. Tomaz Tadeu (2000) explica que a partir de um momento que um sujeito afirma a identidade dele, automaticamente ele nega, exclui outras identidades, pois o reconhecimento e a normatização de uma determinada identidade inferem um conjunto de expressões negativas em relação às outras representações, isto é, a afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam sempre, as operações de incluir como a de excluir, “dizer o que somos significa também dizer o que não somos (nós/eles). Essa demarcação de fronteiras supõe e ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. “Nós e eles neste caso não são simples categorias gramaticais, mas evidentes indicadores de posições-de-sujeitos fortemente marcados por relações de poder” (p.82). Enfim, buscar a identidade pela alteridade, marcação de diferença significa buscá-la sempre na dicotomia, nós/eles, na relação de inclusão/exclusão.
3. ANÁLISE DO CORPUS
Para apreender alguns traços identitários do “homem” paraibano em um determinado momento histórico, propomos fazer uma análise de uma prática tão antiga quanto necessária, ou seja, o ato de comer. Para tanto, buscaremos responder nossas questões através do corpus a ser analisado neste trabalho. Trata-se de uma propaganda turística oficial, que traz o discurso culinário paraibano., encomendada pelo governo do estado da Paraíba à revista Engenho da Gastronomia (2004, p.23) Escolhemos trabalhar com o gênero discursivo propaganda porque, indiscutivelmente, percebemos que ele é um instrumento social que integra nosso cotidiano, pois ele não apenas tenta persuadir o individuo a comprar o produto anunciado, como também, afeta nossas práticas, comportamentos e condutas. Entender o discurso da propaganda é compreender que ele não é transparente, mas espesso, denso, sinuoso, cheio de estratégias de sedução, onde faz um jogo do verbal com o não verbal, trazendo significações nas entrelinhas, no dialogo com o Outro, isto é, significações atravessadas por outras formações discursivas, outros textos, outros discursos, enfim, com a dimensão sócio histórica que o constitui. E para interpretá-lo, é preciso sempre extrapolar o nível da superfície textual. Num primeiro momento de nossa análise faremos uma descrição da propaganda escolhida para este estudo. Como já dito, trata-se de uma propaganda turística oficial, encomendada pelo governo do estado, que vem ilustrando um prato tipicamente paraibano, o “RUBACÃO”. A imagem (linguagem não-verbal) une-se a outros enunciados de ordem verbal, vejamos com eles são disponibilizados. A imagem do prato (rubacão) e seus acompanhantes (manteiga da terra, pimenta e cachaça) vêm centralizada, com cores fortes e bem vibrantes, os enunciados verbais: “Quem criou esta delícia deu este nome para não dividir com ninguém” se encontra na margem esquerda superior da página, no lado esquerdo está a logomarca do governo do estado: “Governo da Paraíba”. Abaixo, na margem esquerda, encontra-se a lista de ingredientes com o qual é feito o prato, sendo essa complementada pelo seguinte enunciado: “feijão-verde, arroz, queijo coalho, nata e charque. Na Paraíba, os ingredientes mais simples se transformam em receitas de dar água na boca.” Nesse último enunciado estamos diante do gênero propaganda , constituído sobre a forma de outro gênero: lista de ingrdientes Já na margem esquerda está o enunciado “Paraíba dá gosto conhecer”. Na busca dos significados é necessário vê esse conjunto de enunciados, verbal e não-verbal, como complementares. Faremos nossa análise a partir de duas hipóteses: a primeira nos leva a crer que na propaganda analisada circula duas formações discursivas diferentes: uma que diz respeito ao turista nordestino, que reconhece no prato apresentado na propaganda suas particularidades gastronômicas, e outra que diz respeito ao turista de fora do Nordeste, o qual é convidado a conhecer o desconhecido, o novo. Uma outra hipótese é que a propaganda ao tentar vender o espaço paraibano, por meio de sua culinária, reforça a identidade nordestina paraibana pelo viés interdiscursivo culinário. Na propaganda lê-se: “feijão-verde, arroz, queijo coalho, nata e charque. Na Paraíba, os ingredientes mais simples se transformam em receitas de dar água na boca; de um lado, do outro, “Paraíba dá gosto conhecer”. Os jogos enunciativos que a propaganda faz com as palavras unem-se ao não verbal (imagético) e inserem em uma formação discursiva voltada para o turista, tanto nordestino quanto de outras regiões do Brasil e internacional. A propaganda explora o enunciado “Paraíba dá gosto conhecer”, atribuindo significados diferentes a um mesmo vocábulo. “Gosto” de sentir prazer em conhecer o estado Paraíba e “gosto” referindo-se ao bom paladar da comida paraibana, com o objetivo de atrair, persuadir o turista, que ainda não conhece nem o estado nem a culinária paraibana, a vim conhecer o estado paraibano e desfrutar de sua deliciosa culinária. Já em relação ao turista nordestino, a propaganda usa como estratégia de persuasão, um prato tipicamente nordestino, mas especificamente paraibano que vem acompanhado de iguarias também tipicamente nordestinas, causando assim o efeito de empatia entre o nordestino (paraibano) e o produto anunciado. O que permite ao homem nordestino-paraibano, por meio dos interdiscursos, resgatar valores sócio-culturais peculiares de sua prática social, pois os produtos com os quais o paraibano se depara, são produtos plantados ou fabricados na sua própria terra “com o suor do seu próprio povo”, o que os torna mais barato e acessível. O fejão-verde, a cachaça a manteiga da terra, o charque, o queijo coalho, a nata representam simbolicamente no discurso culinário dentro da propaganda turística, traços identitários do homem paraibano, e mais especificamente, do paraibano sertanejo por eles (produtos) estarem há muito mais tempo inserido em sua prática culinária. Entretanto, as marcas discursivas que identifica o paraibano na propaganda são ressignificadas, pois se observarmos na ilustração percebemos que o “prato” passou por um “acabamento estético”, agregando valores diferentes do estabelecido no passado. O rubacão,que antes era comida rústica, “pesada”,símbolo de representação apenas sertaneja, hoje passou a ser símbolo de representação paraibana, pois é reconhecido como comida tipicamente paraibana, e a cachaça, uma das iguarias que acompanha o prato, bebida que antes só consumida pelo nordestino pobre (agricultores, cortadores de cana), hoje passou a ser símbolo de identidade nacional. É interessante notar as relações de redes de memória que se entrelaçam nesse texto de propaganda turística. Por um lado objetiva atrair o turista, por outro, faz uma alusão à memória local através do discurso culinário. Essa reinserção dessas redes de memória na atualidade ressoa no consumidor paraibano, causando um efeito de empatia, de identificação. Segundo Hall (2000) é num suposto e autêntico passado que procuramos validar as identidades, embora esse passado seja ressignificado no presente, pois se considerarmos que diferentes contextos sociais ou diferentes formações discursivas fazem com que nos envolvemos em diferentes significados sociais. Precisamos considerar diferentes identidades envolvidas em diferentes ocasiões. Neste contexto especifico da propaganda analisada o sujeito se identifica porque sua posição é de um sujeito que nasceu e “cresceu” na Paraíba, isto é, sua posição enquanto sujeito paraibano ao se deparar com a propaganda, reconhece de imediato, através de uma memória discursiva, uma prática social especifica de um grupo ao qual ele se insere. Portanto as identidades são as posições sociais que o sujeito é obrigado a assumir na sociedade e são construídas pela alteridade. Na nossa análise trabalhamos com essa relação de alteridade, a noção de construção do sujeito em relação ao outro, no intuito de evidenciar que é na relação com o Outro, com o exterior que são construídos os processos de identidades. Foucault “pensa o sujeito como objeto historicamente constituído sobre a base de determinações que lhes são exteriores” (REVEL, 2005, p.84). Todavia, nesta propaganda, o sujeito só se identifica no discurso culinário paraibano apresentado porque existe um outro discurso gastronômico diferente do paraibano, ou seja, no discurso culinário os traços identirários se constroem pelo diferencial de cada estado, o rubacão da Paraíba, o acarajé da Bahia, o jerimum de Pernambuco, o caju do Ceará, o maçunin de Alagoas. A identidade “ser paraibano” não pode, ser compreendida fora de um processo de produção simbólica e discursiva em que o “ser paraibano” se significa por si só, a identidade paraibana carrega em si mesma, o traço do outro, da diferença – “não sou pernambucano”, “não sou cearense”, etc.. Tomaz Tadeu (2000) concebe que a identidade e a diferença se traduzem assim, em declarações sobre quem pertence e quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder, pois todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído. Portanto, o texto escolhido para análise ao apresentar uma culinária tipicamente nordestino-paraibana faz uma relação de inclusão e exclusão. No momento em que o sujeito se representa simbolicamente pelas suas particularidade ele automaticamente exclui os símbolos que não lhes são representativos, por exemplo, ao afirmar o rubacão como prato tipicamente paraibano, nego outros que não fazem parte de minha gastronomia. “A identidade é na verdade relacional, e a diferença é estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras identidades” (WOODWARD, 2000, p.14) Por fim, as marcas discursivas no texto de propaganda turística nos leva a conclusão de que, ao tentar convencer o turista para obter fins lucrativos, ao mesmo tempo, representa simbolicamente o “homem paraibano,” agregando valores políticos econômicos e sociais com os quais o sujeito paraibano se identifica.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender os significados na propaganda é fascinante, porque ela é um fenômeno essencialmente social. Por meio de sua análise é possível vislumbrar a história, os costumes e valores de uma dada sociedade. Entretanto a propaganda não só reproduz um momento social, mas também posiciona o individuo em um contexto especifico. Portanto, discutir a identidade paraibana através dos textos de propaganda turística que trazem um discurso culinário paraibano numa perspectiva discursiva e sob o enfoque teórico da Análise do Discurso francesa nos leva a pensar a identidade como uma forma de colocar o sujeito inserido num contexto social cultural específico. Trabalhar a identidade nessa perspectiva é relevante porque com os avanços tecnológicos dos meios de comunicação várias culturas são postas em interconexão, fazendo com que as identidades antes estáveis, fixas, tornem-se cambiantes, móveis, estando em “processo de construção”. Daí a necessidade de compreender a identidade de um sujeito inserida em seu lugar, no interior de formações e práticas discursivas especificas. É importante ressaltar que não há como discutir identidade, sem falar em alteridade, porque o sujeito não se constrói por si só é preciso colocá-lo em relação ao outro, não há “nós” sem o “outro”. Portanto identificar o sujeito a partir do que ele come, significa colocá-lo em relação ao que ele não come. Por fim o trabalho com a identidade através de uma prática específica, a culinária, nos leva a perceber o quanto é fascinante discutir um assunto tão importante e essencial para a sobrevivência humana. Levi Strauss (1966), ao desenvolver um trabalho sobre a representação do simbólico, diz que: assim como a língua é essencial para comunicação humana, à comida é essencial para sobrevivência do ser, e argumenta ainda que da mesma forma que nenhuma sociedade humana deixa de ter uma língua, nenhuma sociedade deixa de ter uma cozinha, pois em sua análise a comida não é “boa apenas para comer”, “boa também para pensar”, visto que ela é portadora de significados simbólicos e atua com significante cultural. Porém, concluímos que analisar a identidade por meio do discurso culinário de uma comunidade específica nos leva a crer que o consumo de alimentos pode dizer muito de nós, quem somos e em que cultura vivemos.
REFERÊNCIAS
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FOUCAULT, Michel . A arqueologia do saber. Trad.: Luiz Felipe Beata Neves.7. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
GREGOLIN, Maria do Rosário; BARONAS, Roberto (orgs.) – Análise do Discurso: as materialidades do sentido. 2.ed.São Paulo: Editora Claraluz, 2003. ___________. Análise do Discurso: entornos do sentido – Araraquara UNESP, FCL, Laboratório Editorial; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora. 2001.
HALL, Stuart; A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.: Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 5. ed.Rio de Janeiro: DP&A, 2001
LEAL, Wills; TRIGUEIRO; Carlos. Gastronomia como produto turístico: sabor Nordeste – Idéia, João Pessoa, 2006
LEAL, Wills. Conquistando o turista pela boca. João Pessoa: Idéia, 2006. MALDIDIER, D. A inquietação do Discurso-(Re)ler Pêcheux hoje. Tradução Eni Orlandi. Campinas: Pontes, 2003.
SILVA, Tomaz Tadeu; HALL, Stuart; KATHRYN, Woodward (org.) ; Identidade e diferença : a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ. Vozes, 2000. ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 6.ed. Campinas, SP: Pontes, 2005.
___________ .Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1996.

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